A matemática, sendo perfeitamente abstracta, consegue teorizar aquilo que, não só não é intuitivo, porque escapa por completo ao senso comum, como aquilo que é uma realidade concreta de um universo que não se conseguirá conceber de outra maneira.

Carl Sagan demonstrou algo de uma forma simples, de maneira a poder ser compreendido por uma criança, mas creio que não percebeu as implicações daquilo que disse. Afinal, para ele, seria talvez apenas uma demonstração científica simples.

Claro que há também a hipótese de ele ter dito o que disse para demonstrar uma realidade mais vasta que não pode ser intuída.

Ele conta-nos uma história de “Flatland” – “Terrachata” em tradução livre – e dos seus habitantes. Flatland é um mundo bidimensional. Neste mundo tudo é absolutamente chato. Os seus habitantes sabem perfeitamente bem o que é para a frente e para trás, esquerda e direita, mas nada tem altura, uma vez que nem sequer conseguem ter o conceito de cima e baixo. Os habitantes dessa terra levam as suas vidinhas normalmente chatas, vivem nas suas casas chatas, trabalham nos seus trabalhos chatos, movimentam-se pelas ruas chatas e, como é óbvio, nada disto os incomoda.

Um dia aparece por cima de “Flatland” um viajante tridimensional. Olha para baixo e apercebe-se de “Flatland”, fica a observar aqueles seres a andar de um lado para o outro e resolve, num acto de pura boa educação, cumprimentar um dos habitantes. 

O habitante de “Flatland”, acabado de entrar na sua casa chata, ouve o cumprimento, mas fica sem saber o que fazer. Não consegue identificar de onde vem aquela voz, uma vez que vem de um lugar que está para lá da sua compreensão e apenas parece vir do seu interior. O viajante tridimensional insiste no cumprimento, uma vez que não obteve resposta, e começa a pensar que os habitantes de Flatland não são muito bem-educados.

Já o pobre nativo começa a ficar em pânico.

Então, o viajante tridimensional desce e pousa sobre a superfície de Flatland, em frente ao habitante, que apenas vê aparecer, de repente, na sua sala, uma sombra à sua frente, que nada mais é que os pontos de contacto dos pés do viajante tridimensional com o solo.

Como é óbvio, o habitante de Flatland começa a duvidar de si próprio, dos seus sentidos, daquilo que vê e da sua própria sanidade mental, mantendo-se quieto e em pânico.

Irritado pela ausência de uma resposta, o viajante tridimensional agarra no pobre habitante de Flatland e lança-o ao ar, o que o deixa completamente atordoado, sem saber onde está e o que se passa, uma vez que toda esta situação está para lá da sua compreensão, mas, à medida que cai, consegue ver Flatland de uma perspectiva inexplicável, vendo o seu mundo de cima. Entretanto, acaba por cair no meio de uma rua onde, do ponto de vista dos demais, apenas se materializou do nada. Os seus amigos vão falar com ele e perguntam-lhe o que se passou. Ele tenta descrever e explica que esteve num lugar onde conseguia ver toda a Flatland e toda a gente. Os amigos perguntam onde fica esse lugar, mas ele não têm qualquer hipótese de dizer onde é, uma vez que não consegue apontar para cima.

Os amigos lá fazem um sorriso condescendente, dão-lhe umas palmadas nas costas enquanto abanam as cabeças. 

A Humanidade vive num mundo tridimensional. Tudo o que consegue ver à sua volta tem características tridimensionais. Tudo tem comprimento, largura e altura. É inconcebível outra realidade empírica.
No entanto a matemática consegue lidar com realidades multidimensionais. Um Hipecubo, também chamado de Tesseract, é um cubo quadridimensional, ou seja, é um cubo com vinte e quatro lados, todos em perfeitos ângulos rectos uns com os outros. 

Como é óbvio, é impossível ver um Hipercubo na realidade tridimensional. Mas, tal como o habitante de Flatland conseguia ver os pontos de contacto dos pés do viajante tridimensional quando este pousou à sua frente, também nós conseguimos ver uma sombra distorcida de um Hipercubo, algo que se assemelha a um cubo menor dentro de um cubo maior em que os dezasseis vértices estão unidos por linhas rectas, ou se preferirem, tem o mesmo formato que o O Grande Arco de La Défense em Paris.

Mas, poderá isto tudo querer dizer que há uma realidade intangível para os sentidos, multidimensional, em sobreposição a tudo o que se conhece?

Poderão os Deuses, anjos e demónios ser não mais que seres multidimensionais que por vezes deixam uma sombra na realidade perceptível?

Não terá Carl Sagan, propositadamente ou não, descrito uma experiência religiosa ao explicar a interacção entre seres de diferentes dimensionalidades?

8 comentários:

  1. Caramba que . de vista interessante

    Bom dia

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  2. Talvez seja.
    Ou se calhar nem isso.
    São somente interrogações.
    O ponto de vista dependerá de uma resposta afirmativa ou negativa às mesmas.
    Não será mais uma hipótese do que um ponto de vista?

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  3. É possível que tenha razão, ou não. Uma vez que fiz a leitura como sendo o ponto de vista de alguém, nas diversas hipóteses possíveis.
    :-)

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    1. Nesse caso, seja qual for o ponto de vista, será sempre interessante. Assim sendo talvez algum dos pontos de vista possiveis seja mais interessante que os outros, do seu ponto de vista.
      Quer esclarecer qual deles?

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    2. Não detenho conhecimento, para discutir assunto tão vasto e complexo - dir-lhe-ei apenas que: sou uma céptica religiosa e uma convicta (baseada em nada) de que não estamos sós. Que para além, do que me é dado ver, muito haverá que não alcanço.

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    3. Se leu o texto terá uma informação basica que lhe permita formar uma opinião. Basta pensar no espectro de luz e verificar que a luz visivel é uma infima parte e que há uma quantidade de coisas que os Humanos não conseguem ver. Não considera que esta multidimensionalidade é uma hipotese plausível perante o raciocínio do texto?

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    4. Não soube dizê-lo do modo como acabou de o fazer mas, foi o que queria dizer, ao dizer que, para além do que vejo muito haverá que não alcanço, se a isso se pode/deve chamar multidimensionalidade, então que seja.

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    5. Então já tem um ponto de vista seu. Se quiser elaborar mais sobre ele, sinta-se à vontade.

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