“(…)Não se queixou de modo algum da péssima reputação que gozava no mundo todo; assegurou-me, até, que ele era a pessoa que maior interesse tinha na queda das superstições e confessou-me nunca ter tido receio, a não ser uma vez, em que ouvira um pregador, mais atilado que seus colegas, gritar, lá do alto do púlpito: 
– Meus caros irmãos, não olvidem nunca, quando ouvirem louvar o progresso, que a mais bela astúcia do demo é a de persuadi-los de que não existe! (…)”

Charles Baudelaire – “O jogador generoso” 1864

No mundo parece haver um progresso linear.

Mera aparência.

O progresso é uma simples consequência da passagem do tempo, numa linearidade que parece ser ininterrupta, mas que não o é, pois se o tempo é uma ilusão, talvez uma consequência da gravidade, então o espaço também o será, e não havendo tempo nem espaço não há linearidade, tudo o que foi, é e será acontece ao mesmo tempo!

Mas, uma vez que se vive na inescapável ilusão, aquilo que parece existir é um caminho da simplicidade para a complexidade.
Do primeiro ser unicelular até à complexidade dos seres capazes de observarem as estrelas e pisar planetas que não o seu.

Não deixa de ser estranho que os mesmos seres que mataram Deus tanto façam para serem Deus, quando nenhum deles sabe quem ou o que Deus é. Não deixa de ser estranho que estes mesmos seres afirmem que querem voltar a contactar com os seus sentimentos mais primários, o verdadeiro Homem na verdadeira natureza.
Na verdade, o verdadeiro Homem na verdadeira natureza, pouco mais é do que um chimpanzé inteligente, sujeito aos caprichos da gratificação imediata, da auto-satisfação, da falta de empatia, da animalidade mais pura, da constante guerra, da lei do mais forte!

De forma algo curiosa, parece que o progresso, as auto-estradas digitais, a constante informação, que prometiam uma união sem paralelo da humanidade, fazem cada vez mais o contrário. As pessoas deixam de ser pessoas e passam a ser bit’s de informação, cada vez mais isoladas por entre multidões digitais.

Parece que o Demo conseguiu convencer o mundo quase todo de que não existe! E o mundo vai deixando de existir lá fora para passar a ser apenas um ecrã, onde o virtual e o real se misturam cada vez mais.

6 comentários:

  1. "Parece que o Demo conseguiu convencer o mundo quase todo de que não existe! E o mundo vai deixando de existir lá fora para passar a ser apenas um ecrã, onde o virtual e o real se misturam cada vez mais."

    Isto chega a ser assustador de tão verdade que é!

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  2. De que adianta constatar um problema se nada se faz acerca dele?

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  3. Não basta constatar o problema, é preciso ter força para ir contra ele, e essa luta não se faz a uma voz, ou mesmo uma dúzia - isto para não falar de como vivemos escravos de quem manda, de quem nos permite pagar as contas - é um triste circulo vicioso, donde é difícil sair.

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    1. O primeiro passo é sempre elevar a consciência do problema. Quando há uma massa critica as balanças pendem.
      Quem está no poder gosta de se manter lá, mesmo que tenha de ceder aos escravos, sobretudo quando a alternativa é ser removido. Lançam o osso e contentam os cachorrinhos que imploram pelas suas migalhas, eles, os que julgam que têm direito a que a promessa se cumpre neles.
      Mas, de osso em osso chega-se a uma vaca.

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  4. E isso leva aonde?
    Lembra da luta dos trabalhadores para terem fim de semana? Alguns morreram na e pela causa, conseguiram - Olhe agora os nossos dias - O que mudou? Ou melhor, onde ficou a mudança que deixaram para nós? Deve estar perdida no consumismo, na preocupação do ter, mais do que ser, e temos COISAS, e parecemos cegos ao que perdemos, afectos, qualidade de vida, presença na família, valores - Cada vez que toco neste assunto lembro alguém, de quem não recordo o nome agora que escreveu - Um dia vieram buscar o meu vizinho, mas como não era comigo, calei (...)

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    1. Leva a que um passo de cada vez se caminhe para algum lado. Melhor do que ficar parado à espera da providência divina.
      O problema do Demo convencer o mundo que não existe é que também o convenceu de que Deus não existe. Até houve filósofos a proclamar a sua morte...
      O resultado é o vazio que se tenta encher com coisas supérfluas, uma vez que se deixa de acreditar no extraordinário. O resultado é que o se pode ver, quando se olha em volta!
      O exemplo da música do ano é esse mesmo. As pessoas gostam do que é fácil, e o que é fácil é, por norma, medíocre. As pessoas adoram a mediocridade e é difícil arrancá-las de la. A mudança é desconfortável. Nunca se sabe o que advirá dela.

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